A era da burrice
Resenha sobre artigo homônimo publicado na Superinteressante.
“De uns tempos para cá, parece que o mundo está mergulhando na burrice.” (SZKLARZ; GARATTONI, 2018, p. 26)
Não pude negar minha curiosidade e interesse com a matéria quando li a reportagem de capa da Superinteressante, edição 394, cuja conclusão era: estamos ficando menos inteligentes.
Trazendo estudos de países como Dinamarca, de onde vieram os primeiros indícios da queda de escore de 2,7 pontos a cada década, Holanda, Inglaterra, França, Noruega, Suécia, Finlândia, Alemanha e Portugal, a longa reportagem confirmou a descoberta global. As hipóteses foram levantadas após o escore medido por meio do WAIS (Wechsler Adult Inteligence Scale), o mais aceito teste de Q.I. usado pelos pesquisadores da cognição humana, velho conhecido de todos nós.
Depois de comentar a reportagem, um amigo citou a comédia de ficção científica Idiocracia*, lançada em 2006 e dirigida por Mike Judge, na qual as primeiras palavras são muito semelhantes ao começo do referido artigo: “Depois de crescer sem parar durante todo o século XX, o Quociente de Inteligência começou a cair. (…) No começo do século XXI, a evolução humana estava em um ponto de retrocesso”.
Nesse contexto, importa saber de que inteligência o estudo está falando.
O WAIS avalia 15 capacidades intelectuais divididas em quatro eixos: compreensão verbal, raciocínio, memória e velocidade de processamento. Durante 1h30, o participante é avaliado em quesitos como linguagem, conhecimentos gerais, aritmética, reconhecimento de padrões, memorização avançada e visualização espacial. A pontuação máxima é de 160 pontos, e a média se mantém entre 90 e 110. Vale dizer que o WAIS mede apenas a cognição, ou seja, a capacidade de executar operações mentais elementares, que formam a base das outras. Seu resultado não avalia sua criatividade, seu valor como pessoa, sua capacidade de relacionamento com indivíduos diferentes, tampouco prediz se terá ou não sucesso. |
Na tentativa de entender esse acentuado declínio do Q.I., a reportagem apresenta algumas hipóteses.
A primeira e mais polêmica está presente na afirmativa do psicólogo Michael Woodley, da Universidade de Umea, na Suécia: “A capacidade cognitiva é fortemente influenciada pela genética”. Em outras palavras, as pessoas com níveis mais altos de inteligência vêm gerando menos filhos. Ao longo do século XX, estudos em mais de cem países constataram a relação inversa entre Q.I. e taxa de natalidade, sugerindo uma redução proporcional de pessoas altamente inteligentes.
A segunda hipótese indica, como concorrente para esse declínio na inteligência básica, as grandes facilidades que a sociedade de hoje nos oferece em comparação com o passado. “Um caçador coletor que não pensasse numa solução para conseguir comida e abrigo provavelmente morreria, assim como seus descendentes”, escreveu o biólogo Gerald Crabtree, defensor da ideia de que a capacidade cognitiva pura atingiu o ápice há milhares de anos e caiu desde então. Para ele e outros pesquisadores citados na matéria, o auge da inteligência individual ocorreu há cerca de 100 anos. A evolução tecnológica, de onde provém um número gigante de inovações e transformações na nossa vida diária, não é resultado de gênios individuais, e sim realizada por grupos de pessoas: “O iPhone foi projetado por milhares de pessoas, sendo 800 engenheiros trabalhando só na câmera” (SZKLARZ; GARATTONI, 2018, p. 29). Isso, é claro, por ser um processo muito mais complexo do que conseguir comida e abrigo em uma floresta inóspita.
Podemos entender nesse contexto que a tecnologia facilita o processo de resolução de problemas sem que precisemos nos esforçar para isso.
Ainda nesse sentido, a reportagem indica que a sociedade moderna vive de especialistas, cada qual deixando as demais tarefas para outros profissionais ou a cargo de máquinas. De fato, “o salto tecnológico dos últimos 20 anos, que transformou nosso cotidiano e facilitou nossa vida, […] [pode] ter começado a afetar nossa capacidade cognitiva” (SZKLARZ; GARATTONI, 2018, p. 29). Vale lembrar que esses estudos, no entanto, foram realizados em países desenvolvidos, mais igualitários do ponto de vista educacional.
Mark Bauerlein, autor de “A geração mais burra” (The Dumbest Generation), menciona que o uso de celulares e tablets por crianças de 7 ou 8 anos estaria causando efeitos negativos no desenvolvimento da linguagem. No Brasil, em comparação, vemos crianças ainda mais novas envolvidas com esses recursos tecnológicos. Mais evidente ainda nos EUA, para o autor, é a capacidade decrescente de adolescentes na interpretação de textos durante os exames de ingresso nas faculdades. Alguma semelhança com nossa realidade?
A Nokia, em um levantamento, constatou que americanos checam o celular cerca de 150 vezes por dia, ou seja, uma vez a cada seis minutos, o que comprovadamente afeta o foco e o desempenho. A reportagem, de modo alarmante, cita estudos sobre a queda de desempenho de estudantes na simples presença do celular à mesa, além de essa prática consumir um tempo precioso.
Outra hipótese citada na reportagem aponta como vilão o uso intensivo das redes sociais, e cada brasileiro consome 3h39 por dia nelas, segundo a GlobalWebIndex.
Estamos expostos a uma overdose de informações que, embora devessem nos ajudar, nos tornam cada vez menos capazes de manter a concentração. “Se prestamos menos atenção às coisas, elas obrigatoriamente têm de ser mais simples” (SZKLARZ; GARATTONI, 2018, p. 30), então escrevemos e filmamos conteúdos cheios de apelo, mas sem profundidade! Se você ainda está lendo este artigo, é um bom sinal. Tentar se manter fora desta curva cognitiva decrescente é, definitivamente, uma boa ideia para construir uma vida e carreira de qualidade.
Outro “pilar da burrice moderna”, segundo a reportagem, é o fenômeno chamado “viés de confirmação”, que consiste na tendência de a mente abraçar informações que confirmam suas crenças e, no contraponto, “rejeitar dados que as contradizem”. Viver dentro de uma bolha coerente com as próprias crenças e tender a não questioná-las é uma forma, também, de o córtex pré-frontal lidar com o excesso de informações, suprimindo aquelas consideradas indesejadas.
“E tem mais: nosso cérebro libera uma descarga de dopamina, neurotransmissor ligado à sensação de prazer, quando recebemos informações que confirmam nossas crenças. Somos programados para não mudar de opinião. Mesmo que isso signifique acreditar em coisas que não são verdade.” (SZKLARZ; GARATTONI, 2018, p. 33)
A reportagem, entre outras coisas, revela que é nosso estilo de vida que está afetando nossas capacidades cognitivas, de retenção, de atenção e foco, e, portanto, nosso desempenho e nossos resultados. Menciona os hábitos que cultivamos, onde investimos nosso tempo e o que isso está fazendo com nossa inteligência. Então, se é assim, o caminho inverso também está claro. Certo? Significa que cultivando bons hábitos podemos ampliar nossa inteligência.
No Coaching Executivo e no Business Coaching a administração do tempo é um tema recorrente. Para ter maiores resultados com menos recursos em um mundo complexo a questão sempre é como lapidar nossas competências, aumentar a produtividade e ampliar a leitura dos cenários para tomar decisões certeiras. Ou seja, é necessário rever rotinas diárias, estilo de trabalho, estilo de vida e otimizar o uso do tempo, além de cuidar para que esses hábitos não sejam estressantes nem mediocrizantes!
Outras expressões da inteligência são muito valiosas para a convivência social, como a emocional e a relacional, gerando um impacto muito grande nas atividades de gerenciamento de pessoas, o que trabalhamos fortemente nos processos de Coaching Executivo, de Carreira e de Negócios, visto que fazem muita diferença nos resultados na vida corporativa, no mundo empresarial e, claro, no pessoal também. Mas, sobre isso, precisaremos de outra ocasião para discorrer. Quem sabe no próximo artigo!
Denise Bee. Counseling de empresários e executivos. Master Coach executiva, de carreira e de negócios, com mais de 25 anos de experiência em desenvolvimento de pessoas e empresas. Founder da Critério Humano – Desenvolvimento e Gestão de Pessoas. Coautora do livro Empreendedor Total.
Fonte do artigo:
SZKLARZ, E.; GARATTONI, B. A era da burrice. Superinteressante, n. 394, páginas 24 -33, out., 2018.
*Saiba mais sobre Idiocracia assistindo a: <https://www.youtube.com/watch?v=6BpqcUJl1YI>.